-
Ai que preguiça! Parece que nem deitei, este despertador
já me acorda.
- Ah, deixa prá mais tarde...
- Droga! Não tô com a menor vontade.
- Puxa, será que este texto é muito longo?
Agora, me responda uma coisa:
-
Já viu gordo com preguiça de comer?
- Já viu halterofilista com preguiça de levantar peso? - E olha
que o esforço é grande.
- Desde quando você tem preguiça de fazer o que gosta?
Bem,
as vezes até o que gostamos de fazer nos entedia,
nos chateia. O que acontece é que dizemos gosto
deste trabalho de modo absoluto. É como se
dissessemos gosto permanentemente, 24 horas por dia,
deste trabalho o que, convenhamos, é um completo
absurdo. Então, quando não estamos com vontade
de fazê-lo, dizemos que temos preguiça.
Na
verdade não estamos com preguiça porque PREGUIÇA
NÃO EXISTE. O que acontece é que nossa necessidade
daquele trabalho já se esgotou, portanto, inteligentemente,
deixamos instintivamente de querer aplicar nossa energia
nele. Queremos aplicá-la em outras coisas que necessitamos
agora. Se gostamos realmente deste trabalho, iremos sentir
necessidade dele novamente mais tarde.
Preguiça
quer dizer aversão ao trabalho, indolência.
Se você estiver bem alimentado e não estiver
doente, não há como ter indolência.
Tente se obrigar a ficar na cama um dia inteiro. Talvez
você consiga se estiver cansado o bastante. Neste
caso a indolência é necessária para
que você reponha suas energias. Mas, no momento em
que seu corpo estiver atendido em suas necessidades, você terá que
gastar sua energia, e não conseguirá ficar
parado.
Aversão
ao trabalho é uma coisa freqüente. Mas novamente
não podemos tratar isto de maneira absoluta. Temos
que especificar. A que trabalho nos referimos? Não é possível
ter aversão a todo o tipo de trabalho. Qualquer
coisa que fazemos, até mesmo pensar, é trabalho.
Tente ficar sem pensar por cinco minutos. Só se
você for um daqueles monges tibetanos que se sentam
pelados na neve até que a grama cresça à sua
volta (dizem que fazem isto mesmo).
Temos
aversão a um trabalho que não queremos fazer.
Então, inteligentemente, volto a dizer, evitamos
aplicar nossa energia nele. Chegamos atrasados, esquecemos
compromissos, fazemos corpo mole, enrolamos.
O sujeito que gosta deste trabalho vai nos tachar de preguiçosos.
O outro sujeito, aquele que ganha com nosso trabalho, vai
concordar. E nós, com o tempo, acabamos acreditando.
Começamos a nos criticar, aceitando que não
temos força de vontade, e sentimo-nos
cada vez mais incompetentes, inconseqüentes.
- É,
mas se não trabalhar, não como, não
me visto, não vivo.
É verdade,
mas se você permanecer brigando com seus instintos
por muito tempo vai acabar doente e aí sim é que
não vai comer e não vai viver mesmo.
Somos
muito mais inteligentes do que parece. Mecanismos automáticos,
inconscientes, estão permanentemente procurando
manter-nos num estado de funcionamento ótimo. Isto
significa aplicar nossa energia vital para obter o que
necessitamos com o menor desperdício possível.
Não
importa (ou importa pouco) o que os costumes ditem, o que
a norma obrigue, o que os outros querem e até mesmo
o que achamos que devemos fazer (quando aceitamos os costumes
ou o que está na moda). Nosso instinto vai fazer
o que realmente acreditamos ser correto, no mais íntimo
de nós mesmos.
Precisamos,
portanto, aprender a respeitar a nós mesmos. Dar
valor às nossas crenças, às nossas
vontades e desejos, nem que seja para compreendê-los
melhor e modificá-los, se for o caso. Também
para mudá-los precisaremos respeitá-los primeiro.
A
maior fonte dos nossos problemas está em nossa briga
interna. Entre o que devemos e o que realmente queremos
fazer. Muitas vezes queremos agir desta ou daquela maneira
e não conseguimos. É o tímido que
quer se soltar, falar livremente, fazer amizades. É o
gordo que quer emagrecer. É o sujeito que diz que
amanhã vai começar aquela ginástica
que o médico sugeriu.
Tentamos
e tentamos. Acabamos frustrados, sentindo-nos cada vez
mais frágeis e incapazes.
Faça um exercício: cada vez que disser eu não consigo substitua
por eu não quero. Vai ficar impressionado ao descobrir que não
quer mesmo aquilo que parece tão bom, tão importante.
É claro
que não me refiro àquelas situações
em que não conseguimos porque não temos capacidade
real para fazer a coisa. Por mais que você queira
não vai conseguir levantar um peso maior que suas
forças usando só seus braços, mas
isto é bem objetivo. O problema é que usamos
o não consigo com muito mais freqüência,
para tudo o que nos parece que queremos e não atingimos.
Não
quero dizer com isto que só devemos fazer o que
queremos. Muitas vezes nos deparamos com situações
que exigem de nós respostas, na forma de ação,
que não temos a menor vontade de dar. Mas são
necessárias. Se nos obrigamos, criamos a briga interna.
Gastamos mais energia brigando conosco mesmos que a que
gastariamos fazendo logo o que não desejamos.
A solução é respeitar o desejo de não fazer, compreender
porque ele existe e a necessidade de fazê-lo. Você vai ficar impressionado
como nosso instinto (inteligente e não burro) coloca a sua disposição
a energia necessária para a ação. É que ele percebeu
que o menos pior agora é a tal ação.
Tudo
isto exige algo que não estamos muito acostumados
a fazer: a tomada de consciência.
Tomar consciência significa sair da hipnose a que estamos submetidos
a maior parte do tempo, que torna nossa vida uma mera repetição
de hábitos, gestos e crenças. Significa reavaliar a realidade
(ou o que acreditamos que seja a realidade), reconsiderar nossos pontos de
vista, valorizando nossa própria maneira de pensar, nossa própria
maneira de viver.
Como
isto dá trabalho, geralmente o evitamos. Além
disto você vai mudar. E mudar (de atitude, de hábitos)
pode colocá-lo em rota de colisão com os
hábitos e costumes da maioria das pessoas. Para
evitar tudo isto tendemos a agir como sempre o fizemos,
como todo mundo faz.
Talvez
você tenha que mudar sua maneira de trabalhar, de
se relacionar com os outros. Talvez tenha que discutir
as normas do seu emprego. Talvez tenha até que mudar
de profissão. Isto pode ser assustador mas para
que serve a vida senão para ser vivida? E viver é mudar. É criar
condições para que possamos aplicar e desenvolver
nosso potencial.
Nosso mundo não é lá essas coisas. Temos muito a fazer
por ele. Sua preguiça pode ser o indicador de que este mundo não
está de acordo com o que você é, com o que você quer.
Faça um favor a si mesmo e a todos nós: REVOLUCIONE-O.
Mas com calma, com atenção. Não adianta sair por aí gritando
palavras de ordem, brigando com todo o mundo. Precisamos ser realistas, respeitando
a nós e às demais pessoas.
O
tímido, ao invés de ficar brigando com sua
timidez, deveria considerar por que não quer soltar-se com
os outros, falar o que pensa, ser simplesmente como é.
Vai descobrir que tem medo de ser rejeitado, de não
ser aceito, de fazer papel de bobo. Vai descobrir que dá muita
importância aos outros. Valoriza demais o status,
a pose, o cargo, a aparência do outro. Vai perceber
que também gostaria de ser o tal e que não
aceita ser apenas mais um, uma pessoa comum. É que
ele aprendeu, muitas vezes na infância, que só sendo
o tal é que seria valorizado, seria querido, teria
segurança. Se dedicar-se a compreender suas mais
antigas crenças, irá percebê-las claramente
e então deverá reavaliá-las, comparando-as
com a realidade:
- Será que aquelas pessoas daquele grupo são realmente mais capazes,
mais felizes que eu mesmo?
- Será que elas tem e podem oferecer muito mais que eu mesmo?
Não adianta dizer eles são como eu e tentar acreditar
nisto. Terá que investigar atentamente. Acabará descobrindo que
também aquelas pessoas tem seus problemas, tem seus medos. São
pessoas comuns.
O
gordo, uma vez certo de que seu problema não é de
origem orgânica, ao invés de brigar com sua
fome, deveria aceitá-la e procurar compreender seus
ganhos com o comer excessivo e até mesmo com o excesso
de peso.
- Por que não quero deixar de comer?
- Por que não quero me ver magro?
- O que ganho com a obesidade? (cuidado, esta não é uma pergunta
irônica - não adianta responder comodamente sei que não
ganho nada e continuo comendo. Alguma coisa você ganha. Trate de
descobrí-la).
Prá que
fazer ginástica, quando há muito mais coisas
interessantes (ou importantes) para fazer? Tente obrigar-se
a fazê-la (quem sabe acostumo...) e isto vai durar
só uma ou duas semanas. Frustração
e sentimento de culpa serão o resultado. Se você não
consegue dispôr de algum tempo para exercitar-se é porque
não quer. E por que não quer?
Responda honestamente.
- É chato.
- Cansa.
- Não tenho tempo.
- Ficar andando, vendo sempre as mesmas coisas, não há saco que
aguente.
Há pessoas
que gostam de atividade física, enquanto outras
não. Mas o ser humano passou milênios em grande
atividade física. Somente nas últimas décadas
o desenvolvimento tecnológico tornou-a desnecessária.
Nosso corpo, provavelmente, ainda não está preparado
para prescindir dela. Além disto acumulamos tensões
justamente porque nos obrigamos a fazer o que não
queremos. Porque nos esforçamos além dos
nossos limites. Porque temos deveres à cumprir.
Aqui
precisamos trabalhar em duas frentes: reduzir o acúmulo
de tensão e sentir prazer corporal.
Para reduzir a tensão você deverá reavaliar seu modo de
vida. Não adianta pensar nisto. Estou falando de trabalho mesmo. É reservar
algum tempo do seu dia para, com lápis e papel na mão, tratar
de sua própria vida. Você passa o seu dia resolvendo problemas
da empresa em que trabalha, mas não aplica nem 10 minutos para resolver
seus próprios problemas. Assim não vai dar.
Para facilitar (criar vontade) sinta-se mal. O mal-estar não é um
mal em si. É um bem. Nos leva a agir. Procure perceber como seu corpo
está duro e dolorido. Perceba como carrega o peso do mundo nas costas
e vai acabar sentindo vontade de mudar. Então sente-se e escreva. Seus
gostos, seus desejos, suas frustrações. Escreva também
seus medos e como se comporta hoje, no trabalho, no lazer, nos relacionamentos.
Em letras bem grandes liste dois ou tres dos seus comportamentos que você considera
que estão na base dos seus problemas atuais. Pregue esta última
lista em um local bem visível. E olhe para ela várias vezes por
dia.
É o
contrário do pensamento positivo. Não
adianta ficar repetindo mil vezes por dia sou feliz,
estou me soltando, estou relaxando se você não
acredita nisto e tem medo de soltar-se e relaxar. É muito
mais útil tomar consciência de como age. Sua
própria inteligência interior fará o
resto, trazendo à consciência os motivos que
o levam a viver como vive. Ao comparar estes motivos (geralmente
antigos, hoje desnecessários) com o que você precisa
atualmente, seu instinto fará a mudança de
seu comportamento automática e imediatamente. Não
há mágica alguma. É assim mesmo que
funcionamos, que escolhemos nossa conduta.
Para
sentir prazer corporal com um passeio, por exemplo, precisamos
estar disponíveis para isto. Não é possível
querer curtir as férias se ao mesmo tempo estamos
ansiosos para resolver algum problema no trabalho. Não
dá para dar uma volta à pé pelo bairro
se estamos preocupados com nossa conta no banco. Tentar
forçar não adianta, ou adianta pouco. Melhor
seria tomar consciência dos motivos que nos levam
a não querer nos desligar dos nossos problemas.
Não somos escravos dos nossos pensamentos. Nós os geramos.
Antes
de sair para seu passeio considere:
- Por que não quero sair?
- Por que quero passar o tempo todo pensando naquela conta que não tenho
dinheiro para pagar?
- Por que me interesso tanto pelas desgraças minhas e do mundo?
Verá que
você não é um preguiçoso. Apenas
tem outras coisas para fazer. Ao trabalhar detidamente
com suas motivações poderá reconsiderá-las,
atualizá-las. Irá se sentir melhor e viver
melhor.
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