A
chamada síndrome do pânico , transtorno
do pânico ou distúrbio do pânico é um
estado psicológico e físico extremamente
desagradável que traz sérias conseqüências à vida
de quem o experimenta. É comum, após a primeira
ou segunda crise, a pessoa temer ser atingida por outra
e acabar limitando, as vezes tremendamente, a própria
vida. Sintomas mais comuns: medo sem motivo aparente que
pode chegar ao desespero, taquicardia, sudorese, sensação
de nó na garganta, tontura, dor de cabeça,
falta de ar, tremor, palidez, sensação de
morte iminente. Geralmente após alguns minutos estas
sensações desaparecem, mas permanece o medo
de que retornem.
Muitos
estudos e pesquisas tem sido feitas para determinar as
causas e soluções para a síndrome
do pânico, do tratamento exclusivamente medicamentoso
até a religião, embora a maioria dos pesquisadores
indique a terapia psicológica, juntamente com o
apoio de medicamentos, como a alternativa mais produtiva.
A psicoterapia auxilia a compreensão dos motivos
do pânico e estimula as mudanças de atitudes
necessárias para eliminá-lo. Os medicamentos
garantem à pessoa o equilíbrio necessário
para poder se beneficiar do processo psicoterapêutico
que, frequentemente, pode levar alguns meses.
Em
meu trabalho como psicoterapeuta, tenho atendido inúmeras
pessoas que, em maior ou menor grau, apresentam os sintomas
acima citados. Devido aos bons resultados que temos obtido,
quero aqui apresentar a maneira com que abordo a síndrome
do pânico e as conclusões que tenho obtido
em minhas pesquisas. Espero poder contribuir para a redução
do sofrimento que acompanha as pessoas que a experimentam.
Provavelmente
a discussão que mais empolga quem experimenta a
síndrome do pânico é sobre se é uma
doença ou não. Cogita-se até de sua
possivel origem genética. Hoje sabemos que as emoções
tem componentes tanto físicos como mentais. Pode-se
induzir uma emoção injetando-se num sujeito
determinadas substâncias (os viciados em drogas vivem
fazendo isto), como também pode-se verificar que
uma emoção provoca descargas de substâncias
na corrente sanguínea que, por sua vez, provocam
efeitos físicos como aceleração cardíaca,
dilatação da pupila, etc. Isto indica que
as duas alternativas são teoricamente viáveis:
a síndrome do pânico pode ter uma origem fisiológica
(disfunção de algum órgão ou
sistema orgânico) e também ter origem numa
atitude, num estado mental, psicológico, da pessoa.
Já, a discussão da possível origem
genética da síndrome do pânico teremos
que deixar para mais tarde. Não temos ainda informação
suficiente sobre nossos gens. Mantê-la como hipótese é de
interesse para cientistas, não para quem está sofrendo,
mas é preciso registrar que muitos pesquisadores
sérios da genética não acreditam no
total determinismo dos nossos gens. Querem dizer que não
somos escravos ou vítimas impotentes do padrão
genético que herdamos, mas sim que somos o resultado
de um conjunto de fatores, sendo o genético apenas
um deles. Temos que considerar ainda os hábitos,
cultura e escolhas que cada pessoa faz em sua vida. Tudo
isto junto determina o que somos.
Esta
mesma dúvida, doença (física) ou atitude,
atinge também inúmeras outras condições
humanas: obesidade, impotência sexual, distúrbios
do sono. Há seguidores radicais de uma ou de outra
tendência e há os que consideram ambas como
possíveis, dependendo de cada caso. Pessoalmente
não participo nem de um nem do outro grupo.
Nós
somos um conjunto de instâncias: espiritual, mental,
emocional e fisiológica (além de mais algumas
coisas que não podemos identificar). Qualquer ação
sobre uma destas instâncias afetará as demais
porque, apesar de agirem de modo distinto, estão
interrelacionadas. A experiência demonstra isto.
Além disto, estamos inseridos num mundo juntamente
com outras pessoas, animais, plantas, pedras. Estamos sujeitos
a mudanças climáticas e já sabemos
até como provocá-las (só não
sabemos como consertá-las depois). Isto tudo demonstra
que não podemos considerar o que experimentamos
como algo isolado e com efeito limitado a um pequeno segmento
do nosso universo pessoal. Temos que abrir o leque da
nossa atenção considerando nossa história
(passado), nossa cultura, o momento em que vivemos (individualmente)
e em que vive o grupo do qual fazemos parte. Temos que
considerar nossas crenças, nossos hábitos,
nossa maneira de pensar. Tudo isto, juntamente com nossas
escolhas pessoais, estará participando na criação
do que somos, do que sentimos. Dá um pouco de trabalho,
mas no fim dá melhor resultado. Compensa o esforço.
Daquelas
quatro instâncias a fisiológica é a
que parece ser mais resistente a mudanças. Ela demora
para ser afetada, mas uma vez que isto acontece, dá trabalho
para reverter o quadro. Digo que parece mais
resistente e não de que é mais
resistente porque muitos fatos comprovados demonstram que
o corpo físico é capaz de fenômenos
bem além do que consideramos corriqueiramente possíveis.
Uma pessoa sob hipnose pode ser anestesiada para não
sentir dor. Eu mesmo pude ver uma pessoa que acreditava
estar possuida por um espírito pegar na mão
uma brasa viva e manipulá-la sem queimar-se. Não
aposto na hipótese de fraude porque há inúmeros
relatos semelhantes e porque, no caso desta pessoa em particular,
ganharia mais dinheiro (ela bem que precisava) fazendo
isto em qualquer circo ou vendendo a substância
isolante térmica para o Corpo de Bombeiros.
A ciência deveria se importar mais em compreender
o que acontece aí. Com certeza encurtariamos nosso
caminho na direção de uma vida melhor.
Lembre-se
do rabo da lagartixa. Se ela pode recriá-lo, talvez
um dia possamos também, não o rabo, mas algo
mais útil.
Por
isto não importa se a causa é orgânica,
psicológica, as duas juntas ou um acaso da natureza.
O que importa é que possamos, através da
nossa ação pessoal, agir em nós mesmos,
seja no âmbito físico ou psicológico,
e no nosso mundo para mudá-lo, tornando-o e tornando-nos
mais compatíveis com nossas necessidades atuais.
Acho
importante falarmos nisto porque o que mais ouço
dos meus clientes é a provável causa física
do seu problema. Eles querem dizer que não estão escolhendo o
pânico, que isto está fora do seu controle,
portanto são apenas vítimas impotentes. Isto é compreensível. É bem
o que parece. Mas é também um caminho sem
saída. Para ter sucesso na eliminação
do pânico, precisamos aceitar que somos agentes do
que nos acontece e não vítimas.
O
mesmo ocorre com muitos dos nossos outros problemas como
obesidade, insônia, timidez ou falta de dinheiro.
Preferimos atribuir suas causas a algo além das
nossas possibilidades de ação. Isto acalma
mas não resolve. No outro extremo, ainda mais prejudicial,
estão os que se consideram culpados por não curar-se a
si próprios. O culpado sente-se um idiota
porque não consegue resolver seu problema. Sente-se
cada vez mais impotente o que reduz ainda mais sua capacidade
para resolvê-lo.
Ainda,
muitas pessoas que experimentam frequentemente estados
de pânico mas sem saber realmente o que está lhes
acontecendo, respiram aliviados quando seus sintomas recebem,
por parte do médico ou do psicólogo, a classificação
de síndrome do pânico. Poder dar
um nome para o que sentem tem o efeito de trazer para a
realidade aquele estado misterioso. Torna-o mais visível,
mais aceitável, menos extraordinário. Saber
que é apenas uma doença devolve-nos
a humanidade. Isto é positivo se nos
ajudar a lidar mais objetivamente com nossos sintomas e
com nossa vida, mas é negativo se nos escondermos
atrás da classificação para apenas
convivermos passivamente com nossa condição
de doentes.
O
fato de sermos agentes do nosso pânico, ou de nossa
insônia, não quer dizer que estejamos capacitados
para eliminá-los. Temos o potencial para fazê-lo,
mas não adianta brigar consigo mesmo, exigir de
si mesmo uma mudança do seu estado ou envergonhar-se
dele. Será preciso aprender mais sobre seus sintomas,
sobre si mesmo e, mais além, agir de conformidade
com estas descobertas. Acalme-se, portanto. Aceite sua
condição. Este é o primeiro e mais
difícil passo: respeitar a nós mesmos.
Há uma
coisa com que meus clientes nunca concordam comigo, pelo
menos no início dos nossos contatos: quando afirmo
que são muito mais inteligentes do que imaginam
e que seu pânico é resultado dessa inteligência
e não de burrice ou de alguma falha interior.
Alguns
chegam a brigar comigo tentando provar a todo custo que
são idiotas. Concordo que a gente se sente mesmo
idiota quando entra no chuveiro para tomar um simples banho
e, de repente, acha que vai morrer, a respiração
para, o coração acelera, o mundo desaba (isto
aconteceu comigo também).
Outros
dão um meio sorriso de condescendência e dizem
que estou querendo animá-los. Estão muito
longe da verdade. Meu trabalho não é de animador.
Alguns,
ainda, acham que é ironia. Estou brincando. Aí é pior.
Quem fica bravo sou eu. Meu trabalho é sério.
Não brinco com pessoas, ou melhor, brinco, mas não
irresponsavelmente.
É que
percebo realmente uma profunda inteligência criando
reações e atitudes num plano extremamente
bem elaborado para, pasme, vivermos melhor.
Há alguns
(raros, ainda bem) que me olham desconfiados. Posso ler seus
pensamentos: - Este cara é louco! Como pode chamar
de inteligência algo que parece ser minha maior incompetência,
que me faz sofrer tanto?
Bem, como os loucos geralmente não admitem que o são, há aí uma
chance. Faça seu diagnóstico.
Nenhuma
crise de pânico surge ao acaso. O fato de parecer
casual, não quer dizer que o seja. Somos muito mais
inteligentes do que imaginamos. Enquanto você está sentado
lendo este texto, seu corpo está recebendo inúmeros
estímulos: visuais, auditivos, táteis. Seu
cérebro está analisando cada estímulo
e decidindo se vale a pena reagir a ele. Seus olhos estão
focalizados no texto, mas seu campo de visão é de
quase 180 graus. Você está vendo muito mais
do que o texto e seu cérebro está atento
a tudo. Você não nota, na janela ao lado,
a cortina que balança suavemente ao vento. Ela está no
seu campo de visão, mas seu cérebro (você mesmo)
decide que não é importante tomar consciência
dela. Mas se uma barata atravessar voando a periferia do
seu campo de visão, seu berro vai comprovar que
seu cérebro estava ligado e analisando
tudo o que podia ser visto. Da mesma forma, há todo
um processo mental incessante que não chega à nossa
consciência. Dizemos que são subliminares
(não atingiram o limiar da consciência).
Você está num
trem indo para o trabalho. Passa o tempo organizando mentalmente
suas tarefas do dia. De repente toma consciência
de que está triste. Procura lembrar-se do que estava
pensando. Será algum problema com alguma das tarefas?
Você conclui que não. A tristeza parece casual.
Talvez você nunca venha a saber, mas do outro lado
do vagão havia uma senhora que estava quase chorando.
Você não notou, conscientemente, mas seu cérebro
registrou tudo. Sem perceber você entrou em empatia
com a senhora e chorou junto. Muitos dos nossos sentimentos
parecem casuais porque não tomamos consciência
dos fatores que os desencadearam. Será necessário
um esforço de atenção para compreender
seus motivos.
Chico
me procurou porque já estava evitando sair de casa.
Ainda ia trabalhar, mas com muito sofrimento. Quando se
via preso no congestionamento do trânsito achava
que ia morrer. Não podia mais caminhar no bairro
em que morava. Nunca viajava, não sabia o que eram
férias, porque não as aproveitava. Seu trabalho
ia de mal a pior. Parte de suas tarefas era visitar clientes,
mas ele as evitava. Quando disse a ele que era inteligente,
por isto estava em pânico, achou que tinha ouvido
errado. Repeti, era isto mesmo. Como há alguns anos
ele havia participado de um dos meus cursos, me deu, a
contragosto, um pequeno voto de confiança. Disse:
-Vá lá. Vamos fazer de conta que isto é inteligência,
mas a mim ainda parece uma grande burrice!
Precisamos de algum tempo para conhecer sua história e compreender aquele plano perfeito
a que me referi. Em linhas gerais a coisa era o seguinte: Chico adquiriu na
infância a crença de que tinha que aceitar. Aceitar tudo. Não
podia dizer não. Conviveu com isto por muito tempo sem,
aparentemente, grandes conseqüências. Mas adulto, casado, sem dinheiro
suficiente, num trabalho insatisfatório, seu problema veio a tona. E
ele aceitava. O chefe (os vários chefes no seu trabalho), a esposa,
os parentes, os amigos... Tinha que sempre estar disponível e fazer
o que os outros esperavam dele. Tinha que chegar na hora certa, tinha que ter
sucesso. À medida em que tomava consciência disto, Chico ficava
mais irado e percebia que, muitas vezes, escudava-se em sua doença para
evitar algum compromisso desagradável (pura esperteza). Aí não
agüentou. Começou mandando todo mundo prá puta que o pariu
(não precisou fazer isto cara-a-cara. Não recomendo. Basta fazer
sozinho). Sentiu uma força brotar dentro de si. Começou a recusar-se
diante de parentes e amigos. Percebeu que as pessoas deixavam de tentar escravizá-lo.
Seu trabalho começou a melhorar. Tirou férias, viajou, dirigindo
seu carro. Agora Chico está experimentando o poder pessoal que descobriu
em si. Sempre havia estado lá, apenas não o usava.
Muitas das situações que provocam o pânico, como ficar
preso num congestionamento de trânsito, indicam o caminho que devemos
seguir para eliminar o mal estar. No caso de Chico, o trânsito
parado representava a prisão em que tinha se metido. Quando percebeu
que sua vontade era berrar palavrões no meio do trânsito, percebeu
também que raramente confrontava as pessoas. Raramente reclamava seus
direitos. Não adianta nada gritar com os outros motoristas, e não
foi isto que fez. Agüentou o trânsito, mas passou a ser muito mais
exigente com os outros.
A
pessoa que sofre de estados frequentes de pânico
está com sua coragem enrustida. Ela a tem, mas recusa-se à usá-la,
porque acredita que seria pior. Como você pode perceber, é a
inteligência, e não a burrice, que nos leva
a escolher o melhor, ou o menos pior, caminho. É claro
que ela funciona a partir de nossas crenças, que
podem ser inadequadas, inexatas. Por isto precisamos questioná-las,
mas para isto é preciso aceitá-las (respeite-se
- é bobagem brigar consigo mesmo), perceber como
determinam nossa vida e só então mudá-las.
Nós
aceitamos nossas crenças como se fossem verdades
eternas. Substituímos o conhecimento, a consciência,
pelo que acreditamos (ou pelo que os outros acreditam),
sem questionar. Não por incompetência nossa
mas porque há aí um mecanismo instintivo
funcionando. É muito mais econômico, em termos
de gasto de energia, aceitar algo como verdadeiro ao invés
de questionar, investigar, e ter que mudar de posição.
Quando a crença está de acordo com a realidade,
tudo bem, mas quando não está sofremos as
conseqüências da inadequação.
A solução é se dar ao trabalho de
tomar consciência da realidade dentro e fora de nós
mesmos.
Nos últimos
anos surgiram muitas técnicas chamadas de reprogramação
do inconsciente. Elas baseiam-se no fato de que nossas
atitudes e comportamentos são, uma vez aprendidos,
como programas de computador. Funcionam automaticamente
e sempre do mesmo jeito. Quando seu resultado não
nos interessa, basta fazer uma reprogramação
(não é tão fácil como pode
parecer), modificando-os para que atendam nossas necessidades
atuais. O problema é que, algumas vezes, estas técnicas
funcionam de fato. Pode parecer absurdo mas é aí que
reside seu perigo. Lembre-se do nosso amigo Chico. Digamos
que conseguíssemos reprogramá-lo para que
se sentisse bem. Continuaria aceitando tudo como sempre
o fizera, só que agora mais contente. Aguentaria
pacientemente o chefe chato. Seria um escravo feliz. Mas
ainda bem que nossa inteligência não o permite.
Saudavelmente ele arranjaria outro sintoma, uma dor de
barriga talvez, para não cumprir o horário
absurdo do seu trabalho. Não podemos, portanto,
tentar reprogramar nosso inconsciente sem nos
dar ao trabalho de compreender as causas de nossas atitudes
(do que foi programado). Isto é o mesmo que extirpar
nosso livre arbítrio e um tremendo descaso para
com nossa inteligência. Não precisamos reprogramar
nada. Isto é feito automaticamente quando compreendemos
e atualizamos nossas crenças. É preciso deixar
claro também que nosso inconsciente não é um
depósito de monstros. Uma interpretação
confusa dos mecanismos de nossa psiquê gerou esta
imagem. É absurda. O que temos é apenas memória
e processos automáticos de resposta a estímulos
externos. Ao avaliar detida e profundamente os motivos
para seus sentimentos e desejos você vai encontrar
apenas o que já sabia, mas tinha esquecido. Vai
encontrar a beleza que é sua verdadeira natureza.
O
uso de medicamentos que aliviem nosso sofrimento não
se enquadra naquela categoria da tentativa pura e simples
de eliminação dos sintomas. Sabemos que seu
uso deve ser temporário enquanto pesquisamos as
causas do problema, o que os torna muito úteis.
A medicina tem dado contribuições maravilhosas à nossa
vida. Vamos aproveitá-la produtivamente.
Fátima
não conseguia mais sair de seu apartamento. Nem
mesmo chegava ao corredor do seu andar. Eu a atendia em
sua casa. Com 56 anos de idade, Fátima havia passado
por muitas situações difíceis em sua
vida. Cuidando sozinha dos filhos, tendo que arcar com
todas as despesas, Fátima sempre assumiu a direção
de sua vida, de sua casa, da educação dos
filhos. Seu trabalho era movimentado e algo arriscado.
Muitas vezes teve que entrar em confronto com pessoas.
Com o avançar da idade começou a sentir que
precisava parar. Estava cansada. Neste período começaram
a surgir os primeiros sintomas da síndrome do pânico.
Aposentou-se e, algum tempo depois já tinha sido
dominada pelo pânico. Ao contrário de Chico,
Fátima nunca teve dificuldades em dizer não.
Tinha até um estilo bastante briguento. Seu problema
era outro. Sempre ajudou, sempre garantiu a vida de seus
filhos e até de parentes. Agora era ela quem precisava
de ajuda, de apoio. E era justamente isto que Fátima
menos queria pedir. Continuava mantendo sua postura orgulhosa
e de poder. Admitia ter uma doença,
a síndrome do pânico. Isto dava-lhe algum
espaço para pedir ajuda. Mas era só. Quando
compreendeu que não queria admitir que seus filhos,
adultos, já não precisavam da mãe
como mantenedora e tinham até a obrigação
de cuidar dela, começou a relaxar e aceitar que
não precisava mais manter a pose de
todo-poderosa. À medida em que admitia, diante dos
seus parentes, que precisava deles, sentia-se mais livre
para sair do seu apartamento. Infelizmente ela precisou
mudar de residência e não prosseguimos no
processo terapêutico, mas em nosso último
encontro ela já podia passear pelo jardim do prédio
em que morava e até já saia pelo bairro,
acompanhada dos netos. Começava a assumir sua liberdade,
a liberdade de precisar de ajuda, de não ter que
ser perfeita.
Confundimos
independência, responsabilidade pessoal com resolver
sozinho nossos problemas, com ser perfeito.
Sentimos vergonha dos nossos sentimentos, do que nos parece
fragilidade. Escondemo-nos dos outros. É frequente
as pessoas tentarem esconder até dos seus familiares
mais próximos suas crises de pânico. Ficam
com dois problemas ao invés de um. Temos medo de
pedir ajuda e sermos dominados pelo outro, de tornarmo-nos
dependentes como quem vicia-se numa droga qualquer. Isto é,
no mínimo, perda de tempo. Podemos até resolver
nossos problemas sozinhos, mas será que compensa
o esforço? Nossas crenças distorcem nossa
visão da realidade. Funciona como uma hipnose. Acabamos
vendo o que queremos, o que aceitamos ver, e não
o que precisamos ver. Como as outras pessoas tem suas próprias
hipnoses, provavelmente diferentes das nossas, é para
elas muito mais fácil perceber que nos enredamos
numa teia desnecessária. Ouvi-los encurta o nosso
caminho. A psicoterapia é um poderoso instrumento
de desipnose. Acaba saindo mais barata quando comparamos
com os prejuízos que temos ao limitar nossa vida
(e nossos rendimentos) devido ao pânico. A Internet
tem trazido uma contribuição tremenda para
as pessoas que se sentem sozinhas com seus problemas. Através
da rede podem conversar com outras pessoas que sentem as
mesmas coisas, trocar experiências e opiniões.
Há muitos grupos discutindo o pânico. Participe.
As
pessoas sempre me perguntam: - Basta saber (tomar consciência)
da causa do meu problema para resolvê-lo? A resposta é NÃO.
Chico descobriu que não confrontava as outras pessoas.
Isto não resolveu seu pânico. Precisou confrontá-las
realmente, e aí sim, seu pânico deixou de
ser necessário. Fátima também precisou
pedir ajuda, em alto e bom som. Isto a libertou.
O
que resolve nosso problema é a AÇÃO.
Por isto não adianta esperar uma cura milagrosa,
seja de que fonte for, se pretendermos continuar comodamente
agindo da mesma forma de sempre. Teremos que agir diferente,
pensar diferente, viver diferente.
E
aí fica claro que o pânico é, na verdade,
nosso aliado. Ele nos obriga a tomar uma posição,
a mudar nossa vida. E, se o fizermos, encontraremos uma
vida muito mais de acordo com nossas necessidades atuais,
muito mais produtiva, mais feliz, mais viva.
Quando
você cheira o bife que ficou na geladeira para saber
se não estragou, está usando seus sentidos
para avaliar a realidade. Se o cheiro for ruim,
você joga o bife fora. A qualidade do cheiro, boa
ou má, é uma avaliação do seu
cérebro, do seu instinto. Uma mosca vai achar o
cheiro ótimo, porque a carne estragada é boa
para ela. Nossas emoções também são
instrumentos de avaliação da realidade. Quando,
diante de uma situação, sentimos uma emoção
agradável, é porque achamos que esta situação é boa
para nós. Você vê uma pessoa e sente
simpatia. Pode se aproximar. Vê outra e sente aversão.
Se afasta. Quando você se depara com uma situação
que avalia como perigosa, sente medo. Este medo lhe dá forças
para fugir ou, se pretender lutar, perceberá que
este medo se transforma em raiva, e você ataca.
Nossas
emoções servem então de alerta sobre
nossa relação com a realidade. É como
a luzinha indicadora do nível de óleo do
motor do carro. Ela acende quando falta óleo, serve
de alerta. Na grande maioria das vezes em que acender,
será por falta de óleo mesmo (a origem do
problema está nas atitudes do motorista). Mas talvez
em algum momento ela possa acender porque deu defeito no
sensor (origem do problema no âmbito físico).
O pânico é a luzinha do óleo acesa. É um
alerta de que estamos vivendo mal (e muito antes do pânico).
Talvez em alguns casos (nenhum do meu conhecimento), o
sujeito estivesse vivendo muito bem, satisfeito, expressando-se
livremente, exigindo normalmente seus direitos e de repente,
por uma falha orgânica casual, entra em pânico
(defeito no sensor). De qualquer forma, seja uma causa
ou outra você terá que resolver o problema.
Quando
entramos em pânico, achamos que vamos morrer. Na
verdade entramos em pânico porque já morremos
(não é aquela morte de ir pro cemitério
- talvez seja até pior). Não estamos vivendo
como queremos, não estamos falando o que queremos,
não estamos utilizando nosso potencial no trabalho,
no estudo, nos relacionamentos. Deixamos que os outros
façam com a gente o que querem. Não estamos
amando. Não exigimos respeito. Morremos. Nossa inteligência
nos alerta: sentimos medo.
Há dois
tipos de medo da morte. Um deles todos nós temos.
Todas as coisas vivas o tem (experimente tentar matar aquela
barata que passou voando perto de você). É o
medo da morte física. Ele nos permite evitar perigos
e mantermo-nos vivos. O outro medo é o alerta de
que estamos vivendo muito mais pobremente do que podemos,
não estamos sendo felizes. O primeiro medo não
incomoda tanto. O outro aterroriza - é nosso instinto
fazendo seu trabalho.
Faça
um exercício: da próxima vez que sentir medo
da morte, ao invés de achar que vai morrer, aceite
que já morreu. Observe como tem vivido e perceba
em quais aspectos de sua vida você tem estado morto.
Vai ficar impressionado com as oportunidades que está perdendo
de viver mesmo. E o interessante é que, à medida
em que perceber as várias pequenas mortes em sua
vida irá notar que seu pânico desaparece. É que
você, como um bom motorista, percebeu que está faltando óleo
e já está indo colocá-lo. No caso
do carro, como a luzinha não é inteligente,
só apaga quando o nível de óleo for
completado. No nosso caso nosso instinto desliga o alerta
tão logo tomemos consciência do problema.
Ele já fez sua parte. É claro que se você só tomar
consciência mas não fizer nada, o instinto
irá alertá-lo novamente logo, logo. Agradeça-o.
Isto evita que você funda o próprio motor.
Se
você puder ver seu pânico como uma oportunidade
de mudança para melhor, estará abrindo-se
para si mesmo, para compreender seus motivos, e saberá o
que deve fazer para ter a vida que deseja.
Cada
pessoa tem seus próprios motivos e sua própria
história para entrar em pânico. Mas há uma
condição que descobri presente em todos os
que sofriam com a síndrome do pânico: a auto-exigência.
Todos tinham que, deviam, eram
obrigados à. Eram até obrigados a ser
saudáveis. Não há prisão maior
que esta.
Nós
temos o direito de não sermos capazes, de errar
uma, duas, cem vezes. Temos o direito de estarmos em dúvida,
de precisarmos de ajuda, de estarmos doentes, de não
mantermos eternamente a mesma cara (ou barriga) que tinhamos
com 20 anos de idade. Somos humanos, não há nenhuma
necessidade de sermos perfeitos, seja lá o
que isto signifique. Dar-nos espaço para sermos
o que somos nos torna livres. Aceitar nossas limitações
permite que vivamos bem apesar delas. Com tempo poderemos
rever estas limitações e talvez até eliminá-las,
mas com calma e, volto a dizer, com respeito a nós
mesmos.
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